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Leia abaixo texto extraído do livro "Crônicas de Além-Túmulo", da lavra mediúnica de Chico Xavier através do espírito de Humberto de Campos.
Tiradentes
21
de abril de 1937,
Dos infelizes
protagonistas da Inconfidência Mineira, no dia 21 de abril de todos os anos, aqueles
que podem excursionar pela Terra volvem às ruínas de Ouro Preto, a fim' de se reunirem
entre as velhas paredes da casa humilde do sítio da Cachoeira, trazendo a sua homenagem
de amor à personalidade do Tiradentes. Nessas assembléias espirituais, que os
encarnados poderiam considerar como reuniões de sombras, os preitos de amor são
mais expressivos e mais sinceros, livres de todos os enganos da História e das
hipocrisias convencionais.
Ainda agora,
compareci a essa festividade de corações, integrando a caravana de alguns brasileiros
desencarnados, que para lá se dirigiu associando-se às comemorações do proto mártir
da emancipação do País. Nunca tive muito contato com as coisas de Minas Gerais,
mas a antiga Vila Rica, atualmente elevada à condição de Monumento Nacional,
pelas suas relíquias prestigiosas, sempre me impressionou pela sua beleza
sugestiva e legendária. Nas suas ruas tortuosas, percebe-se a mesma fisionomia
do Brasil dos Vice-Reis. Uma coroa de lendas suaves paira sobre. as suas ladeiras
e sobre os seus edifícios seculares, embriagando o espírito do forasteiro com melodias
longínquas e perfumes distantes.
Na terra empedrada,
ainda existem sinais de passos dos antigos conquistadores do ouro dos seus rios
e das suas minas e, nas suas igrejas, ainda se ouvem soluços de escravos,
misturados com gritos de sonhos mortos, do seu valoroso heroísmo. A velha Vila
Rica, com a névoa fria dos seus horizontes, parece viver agora com as suas
saudades de cada dia e com as suas recordações de cada noite. Sem me alongar
nos lances descritivos, acerca dos seus tesouros do passado, objeto da observação
de jornalistas e escritores de todos os tempos, devo dizer que, na noite de
hoje, a casa antiga dos Inconfidentes tem estado cheia das sombras dos mortos.
Aí fui encontrar, não segundo o corpo, mas segundo o espírito, as
personalidades de Domingos Vidal Barbosa, Freire de Andrada, Mariano Leal, José
Joaquim da Maia, Cláudio Manuel, Inácio Alvarenga, Dorotéia de Seixas, Beatriz
Francisca Brandão, Toledo Pisa, Luís de Vasconcelos e muitos outros nomes, que
participaram dos acontecimentos relativos à malograda conspiração.
Mas, de todas as
figuras veneráveis ao alcance dos meus olhos, a que me sugeria as grandes
afirmações da pátria era, sem dúvida, a do antigo alferes Joaquim José da Silva
Xavier, pela sua nobre e serena beleza. Do seu olhar claro e doce, irradiava-se
toda uma onda de estranhas revelações, e não foi sem timidez que me acerquei da
sua personalidade, provocando a sua palavra. Falando-lhe a respeito do
movimento de emancipação política, do qual havia sido o herói
extraordinário,
declinei minha qualidade de seu ex-compatriota, filho do Maranhão, que também
combatera, no passado, contra o domínio dos estrangeiros.
- "Meu amigo -
declarou com bondade -, antes de tudo, devo afirmar que não fui um herói e sim
um Espírito em prova, servindo simultaneamente à causa da liberdade da minha
terra. Quanto à Inconfidência de Minas, não foi propriamente um movimento
nativista, apesar de ter aí ficado como roteiro luminoso para a independência
da pátria.. Hoje, posso perceber que o nosso movimento era um projeto por
demais elevado para as forças com que podia contar o Brasil daquela época,
reconhecendo como o idealismo eliminou em nosso espírito todas as noções da
realidade prática; mas, estávamos embriagados pelas idéias generosas que nos
chegavam da Europa, através da educação universitária.
E, sobretudo, o
exemplo dos Estados Americanos do Norte, que afirmaram os princípios imortais
do direito do homem, muito antes do verbo inflamado de Mirabeau, era uma luz
incendiando a nossa imaginação. O Congresso de Filadélfia, que reconheceu todas
as doutrinas democráticas, em 1776, afigurou-se-nos uma garantia da
concretização dos nossos sonhos. Por intermédio de José Joaquim da Maia
procuramos sondar o pensamento de Jefferson, em Paris, a nosso respeito; mas,
infelizmente, não percebíamos que a luta, como ainda hoje se verifica no mundo,
era de princípios. O fenômeno que se operava no terreno político e social era o
desprezo do absolutismo e da tradição, para que o racionalismo dirigisse a Vida
dos homens.
Fomos os títeres de
alguns portugueses liberais, que, na colônia, desejavam adaptar-se ao novo
período histórico do Planeta, aproveitando-se dos nossos primeiros surtos de nacionalismo.
Não possuíamos um índice forte de brasilidade que nos assegurasse a vitória, e
a verdade só me foi intuitivamente revelada quando as autoridades do Rio
mandaram prender-me na rua dos Latoeiros."
- E nada tendes a
dizer sobre a defecção de alguns dos vossos companheiros? - perguntei. -"Hoje,
de modo algum desejaria avivar minhas amargas lembranças. . . Aliás, não foi apenas
Silvério quem nos denunciou perante o Visconde de Barbacena; muitos outros fizeram
o mesmo, chegando um deles a se disfarçar como um fantasma, dentro das noites de
Vila Rica, avisando quanto à resolução do governo da província, antes que ela
fosse tomada publicamente, com o fim de salvaguardar as posições sociais de
amigos do Visconde, que haviam simpatizado com a nossa causa. Graças a Deus,
todavia, até hoje, sinto-me ditoso por ter subido sozinho os vinte degraus do
patíbulo."
- E sobre esses fatos dolorosos, não tendes
alguma impressão nova a nos transmitir? E os lábios do Herói da Inconfidência,
como se receassem dizer toda a verdade, murmuraram estas frases soltas: -
"Sim. . . a Sala do Oratório e o vozerio dos companheiros desesperados com
a sentença de morte... a Praça da Lampadosa, minha veneração pelo Crucifixo do
Redentor e o remorso do carrasco. . . a procissão da Irmandade da Misericórdia,
os cavaleiros, até o derradeiro impulso da corda fatal, arrastando-me para o
abismo da Morte..."
E concluiu: -
"Não tenho coisa alguma a acrescentar às descrições históricas, senão minha
profunda repugnância pela hipocrisia das convenções sociais de todos os
tempos."