O caranguejo


O pregador anunciou:
- Meus caros amigos, tenho três notícias. Uma boa e duas más.
Um murmúrio percorreu a comunidade reunida.
O que está acontecendo?
- A primeira notícia má, algo que todos já notaram: nosso templo está em péssimas condições. Necessita de uma reforma.
Expectativa...
- A notícia boa: temos o dinheiro!
Sorrisos.
- A outra notícia má: o dinheiro está no bolso de vocês!
Esta pitoresca história ajusta-se com perfeição às lides espíritas: Há dinheiro para sustentar e dinamizar os Centros Espíritas, em reformas e ampliação de serviços. Só há um probleminha: Está no bolso dos espíritas.
À luz da Doutrina, particularmente do apelo fundamental contido na máxima de Kardec -  Fora da Caridade não há Salvação - os Centros bem orientados transforma-se em células atuantes e empreendedoras envolvendo, além da atividade doutrinária, a assistência e a promoção de famílias carentes, creches, berçários, hospitais, escolas, albergues, lares da infância e da velhice...
Está implícita nos textos doutrinários uma permanente convocação às atividades voluntárias em favor do bem comum. 
É preciso estar muito distraído ou indiferente para não perceber isso.
Infelizmente, partindo do princípio de que o Espiritismo é a doutrina da consciência livre, essas iniciativas ficam ao arbítrio das pessoas que, mesmo quando se conscientizam, tendem a estabelecer cotas mínimas de participação e contribuição. 
Isso ocorre particularmente em relação ao dinheiro, o chamado vil metal, quando usado em interesses pessoais, mas que poderia ser transformado em metal nobre para atender as carências humanas.
Em muitos centros esse assunto é tabu.
Alega-se que falar em dinheiro passaria a impressão de que estamos cobrando por benefícios prestados àqueles que buscam ajuda espiritual. 
Cotizam-se alguns diretores para pagar despesas básicas - zelador, água, luz, telefone, limpeza...
Quando se cogita de qualquer novidade, envolvendo um serviço assistencial, a pintura inadiável, a ampliação necessária, a despesa inesperada, dão tratos ao bestunto os dirigentes, pensando em almoços, bazares, feiras, sorteios, campanhas de jornais, livros, vidro, garrafas, alumínio, plástico e tudo o mais que possa render alguns trocados. 
É louvável, mas seria muito mais prático e produtivo se todos se dispusessem a contribuir regularmente, considerando que integram uma sociedade espírita que, como ocorre com todas elas, deve exigir de seus participantes o cumprimento de determinados deveres estatutários, a começar por um elementar "pagar uma contribuição mensal."
Outra questão espinhosa: o valor da contribuição.
Geralmente as pessoas oferecem suas obras. Justamente por isso muitas não contribuem.
é que, segundo seus programas, há sempre compromissos inadiáveis que absorvem as disponibilidades. 
-Estou reformando minha casa...
-Viajarei de férias...
- Troquei de automóvel...
- Ampliei meus negócios...
- Fiz investimentos...
- Meu filho entrou na faculdade...
- Há gente doente em casa...
Oportuno lembrar a passagem evangélica da viúva pobre, em Lucas, 21:1-4 : 
"Olhando Jesus, viu os ricos lançarem suas ofertas no gazofilácio. Viu também uma viúva pobre lançar ali duas pequenas moedas. E disse: Em verdade vos digo que esta viúva pobre deu mais do que todos. Todos estes deram como oferta daquilo que lhes sobrava, mas ela, da sua pobreza, deu todo o sustento que tinha."
A observação do Mestre é de clareza meridiana...
Enquanto nossas contribuições girarem em torno de sobras, pouco faremos, enquanto na contabilidade dos interesses particulares sempre falta o necessário.
Mesmo generosos saldos credores são registrados como reserva técnica para atender problemas eventuais. 
Resultado: nunca sobra nada.
A experiência demonstra que quando superamos essa tendência e nos dispomos a contribuir generosamente, somos recompensados com bençãos que o dinheiro não pode comprar.
Lembro-me de um amigo comprometido com a usura. 
Para desespero seu, gastava muito com problemas de saúde, pessoais e familiares. Nunca tinha disponibilidades a oferecer, sempre temeroso de lhe faltarem recursos para atender aos males que se sucediam.
Um dia criou coragem, livrou-se do caranguejo (as pessoas muito apegadas parecem ter o crustáceo no bolso, guardando seu dinheiro).
Com grande constrangimento, timidamente em princípio, começou a usar os seus haveres para atender às carências alheias. 
Para sua surpresa, quanto mais oferecia, menos gastava com médicos e remédios. 
Uma boa troca.
Poderíamos, em favor dessa tese, lembrar que: Quem dá aos pobres, empresta a Deus. 
Considerando que em última instância, tudo pertence a Deus, somos apenas depositários do dinheiro que amoedamos.
A mordomia justa e perfeita será sempre aquela que nos leva a atender os filhos de Deus com seu próprio dinheiro, transitoriamente confiado à nossa administração.
Vale lembrar, a esse propósito, o célebre conto de Tagore, em que um aldeão, procurado pelo Senhor da Vida, deu-lhe apenas um grão do trigo que trazia em seu alforje.
Depois, em casa, constatou que no lugar do grão doado estava uma gema preciosa.
E lamentou o parcimonioso doador:
- Tolo que fui! Deveria ter entregado todo o trigo ao Senhor da Vida!
O valor da contribuição e sua regularidade são um assuntos resolvido pelos evangélicos.
Com base em textos bíblicos, estabelecem o dízimo, a décima parte do rendimento dos fiéis, entregue mensalmente à igreja.
Uma serviçal doméstica ganhava perto de dois salários mínimos. Antes de qualquer iniciativa, retirava os sagrados dez por cento para a igreja que frequentava, embora lhe fizessem falta. Viúva, tinha quatro filhos pequenos. Não obstante, contribuía religiosamente, considerando que seria um "roubo" ficar com o "dinheiro de Deus."
Poderemos questionar tamanho rigor, não obstante a lição de Jesus, mas é inegável que dá resultado. Os profitentes levam a sério a necessidade de contribuir e com isso as igrejas brotam em todos os bairros e o movimento cresce a olhos vistos.
De modo próprio deveríamos fixar uma porcentagem sobre rendimentos, destinada às obras espíritas, superando um problema que é frequente nos Centros Espíritas: 
O dinheiro para a necessária reforma, a pintura, a instalação do serviço assistencial, a publicação de periódicos, a biblioteca, a livraria espírita e muito mais, permanece sequestrado pelo caranguejo em nosso bolso.

(Richard Simonetti, Revista Reformador, Abril 1999, págs. 11 e 12)